quarta-feira, 4 de julho de 2007

Nostalgia dolorosa

Episódio das sereias:-Amarrado no mastro do navio Ulisses escuta a doce sedução das ori­gens, mas é aprisionado por sua própria vontade, ao passo que seus marinheiros, (presos à labuta cotidiana) sequer a escutam.É à essas origens que o mundo precisa regressar, senão quiser se dissolver no negro espetáculo da dissolução de uma calamidade triunfal.



O primeiro motivo dessa alegoria consiste em interpretar o triunfo de Ulisses sobre as Sereias como o de uma forma emergente de racionalidade sobre o mito, mais precisamente, como a transformação da magia em arte. Enquanto monstros imemoriais, aquáticos e femininos, as Sereias encarnam os poderes mágicos anteriores ao surgimento do sujeito como identidade racional e determinada. Sua força mágica de sedução provém da atração ou da saudade que continua exercendo a representação de uma indistinção feliz entre o si (selbst) e o mundo, lembrança da indistinção entre o recém-nascido e sua mãe segundo Freud; mas sucumbir à sedução dessa felicidade também significa desistir da individuação e, portanto, arriscar a própria existência: os viajantes que se entregaram às Sereias forma por elas devorados. Ulisses resiste às Sereias, mas não abdica do gozo (incompleto) de escutar seu canto: reconhece o encanto, mas não cede ao encantamento. Neste gesto, os poderes da magia são condenados à ineficácia e mantidos como expressão da beleza e da transcedência: são transformados em expressão artística. Se a arte surge, então, da magia como sua forma mais racional e mais pura, ela também emerge como beleza impotente, sem eficácia, uma expressão sem conseqüências práticas, uma mera forma separada da ação.

Uma lástima.

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